O atacante elétrico
Valdomiro era o centroavante do
“poderoso” XV de Novembro da Vila Glória, time respeitado e diversas vezes
finalista da Copa Perifa, torneio disputado por mais de duzentas equipes em
seus tempos áureos.
Magro, esguio e dono de um
pomposo penteado “black power” que lhe acrescentava mais uns quinze centímetros
aos seus 1, 85m, Valdomiro era o típico goleador voluntarioso e tinha como
“ídolo” maior o grande Dadá Maravilha.
Inclusive, Valdomiro justificava
sua falta de habilidade com a bola no pé com uma das célebres frases do
atacante – “Passo tanto tempo fazendo gols que não tenho tempo para aprender a
jogar futebol!”- respondia assim a qualquer questionamento sobre sua “perna-de-pauzice”.
Mas, Valdomiro ficou conhecido,
não por seus inúmeros gols, mais de mil, segundo ele, mas por algo ainda mais
inusitado.
Era sábado e acontecia no grande
“estádio” da Vila Glória, cuja capacidade oficial apontava 1.640 lugares
contando árvores, alambrados e muros dos vizinhos, a segunda rodada da terceira
fase do diagonal semifinal da Copa Perifa, e tudo corria bem. O Quinzão vencia
por 1 a 0, golaço de Valdomiro, quando o tempo começou a mudar
drasticamente. De sol forte e brilhante,
passou a céu escuro e com grandes possibilidades de chuva.
Chuva nunca foi problema, afinal
quantas finais emocionantes foram disputadas em lamaçais formados por grandes
tempestades, mas o problema que ninguém esperava eram os raios.
O jogo seguia normalmente, mesmo
com muito vento, muitos trovões e raios, até que numa cobrança de escanteio
todos subiram para cabecear, mas Valdomiro, que “parava no ar como beija-flor,
helicóptero e seu ídolo Dadá” subiu mais alto que todo mundo e no exato momento
em que cabeceou, acertou-lhe em cheio um raio que o fez desmaiar.
Toda a equipe médica, formada por
Seo Nonô, massagista experiente e pelo presidente do XV da Glória, “Doutor”
Anselmo, entrou em campo para socorrer seu goleador.
Mesmo ainda zonzo e com fumaça
saindo do seu black power, a primeira coisa que Valdomiro perguntou quando
acordou foi:
- E aí, foi gol?” Num suspiro de
alívio, Dr. Anselmo respondeu:
- Foi gol sim, meu craque.
O jogo seguiu e a tempestade
também, mas, Valdomiro foi substituído.
Na semana seguinte, o cenário era
muito parecido, jogo rolando, Valdomiro em campo e tempestade chegando. Até que
em uma jogada parecida, aconteceu exatamente a mesma coisa. Escanteio cobrado,
bola viajando, Valdomiro subindo e raio chegando.
- Não é possível! E aquela
história de que um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar? Perguntou um
atônito e embasbacado Dr. Anselmo.
- Eu acho que é mentira.
Respondeu Valdomiro antes de apagar com seu cabelo esfumaçando.
O assunto virou resenha e debate
intenso nas rodas de amigos e botecos da Vila Glória. Como poderia, em meio a
tanta gente, o raio acertar Valdomiro duas vezes?
Foram muitas teorias, de pacto
com o capeta até macumba dos adversários.
Mas, logo uma possível resposta
veio do próprio Valdomiro. Ele disse que usava um creme para os cabelos que
continha quantidade significativa de nitrato de prata, isso somado a sua altura
e sua grande impulsão o transformava num para-raio ambulante.
Diz a lenda que Valdomiro nunca
mais usou o penteado black power e queimou o frasco do dito creme, mas um mês
depois, lá estava ele de novo estendido no chão, com os cabelos esfumaçados, a
bola na rede e a dúvida na cabeça de todo mundo, de novo.
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Toninho Ponto e
Vírgula
Nascido em uma comunidade pobre
da periferia de São Paulo, Toninho Ponto e Vírgula era figura carimbada nos
campinhos de pelada da cidade.
Diz a lenda que chutava a barriga
de sua mãe com as duas pernas com precisão absurda, acertando-lhe
costumeiramente as costelas e que gritou um estridente “gooollll” ao invés de chorar quando veio ao mundo.
Sempre disse de boca cheia que
seu apelido veio de uma dividida com um bebê três meses mais velho - era gato,
dizia - ao engatinhar esfomeado atrás de
uma mamadeira, causando grave lesão no joelho que impediu que suas pernas
crescessem iguais.
Mas, apesar da perna esquerda
mais curta, Toninho cresceu como quase todo brasileirinho, tendo como brinquedo
único e favorito uma pequena bola surrada e furada de tanto uso.
Com Toninho não tinha tempo ruim
para “bater uma bolinha”. Fizesse sol, fizesse chuva, todo dia ele estava na
rua ou nos campinhos improvisados em terrenos baldios. Estando sozinho ou
acompanhado, Toninho trocava qualquer coisa pelo esporte bretão, inclusive as
aulas no colégio, o que lhe limitou o vocabulário e o saber das coisas.
As letras não eram sua paixão,
sua paixão era a bola. Ele viajava em sua imaginação, narrando jogos no
chuveiro e chutando o sabonete, quando o alcançava, é claro.
Toninho era tão fascinado por
futebol que tudo em sua vida girava em torno do esporte. Ele chegava a ser
chato, pois não conseguia mudar de assunto e sempre fazia analogias usando o
futebol como referência, embora não fizesse a menor ideia do que seria
analogia.
Ao tornar-se adolescente, Toninho
fez testes para jogar no seu clube de coração, o fantástico expressinho do
Esporte Clube Beira-Rio, cuja sede ficava às margens do córrego Rabo de Gato,
onde antes havia peixe. Mas, como não conseguia correr em linha reta, não foi
aprovado no rigoroso “peneirão” de quase oito garotos, contando com o próprio
Toninho.
Mesmo triste por não poder jogar
pelo seu time, Toninho não desistiu e decidiu se tornar treinador. Para isso,
Ponto e Vírgula começou por baixo, bem por baixo, carregando as garrafas
plásticas de água, lustrando as chuteiras e recolhendo os uniformes no final
dos jogos.
Apesar da sua situação, Toninho
aguardava ansiosamente cada domingo de futebol e sempre chegava com um grande
sorriso no rosto, gritando palavras de motivação para os jogadores do
Beira-Rio.
O tempo foi passando e Toninho
não conseguia alcançar a posição de técnico. E nas categorias de base? Dizia
ele. Sempre ouvindo rotundos “nãos” como resposta. Você não é preparado, não
sabe falar e não tem postura de treinador, diziam os “dirigentes”.
Descontente com isso, Toninho
resolveu se rebelar e lançou seu nome para a presidência do Beira-Rio, obtendo retumbantes
dois votos. Curioso em saber de quem recebeu o outro voto, descobriu que havia
sido Tião Roceiro, ex-zagueiro do time que errara na hora de marcar o X na
cédula e votara nele sem querer.
Mesmo com tudo isso, Toninho
Ponto e Vírgula não desanimava e mantinha aceso o irresistível desejo de ver
seu time jogar.
Como não podia ser jogador, nem
treinador, nem dirigente, Toninho resolveu “apenas” continuar torcendo, marcando
com a forma do seu traseiro o seu lugar na arquibancada de madeira do Beirão Arena.
Os anos foram se passando e
Toninho foi ficando velho e cada vez mais corcunda, mas seu sorriso e
entusiasmo continuavam. Ninguém conseguia entender como alguém que foi
rejeitado de todas as formas possíveis ainda continuava a torcer com tanta
alegria e mtoivação.
Esse mistério só foi solucionado muito
tempo depois, quando alguns entenderam, ao vê-lo feliz, mesmo com a derrota do
Beira-Rio na final do Amadorzão.
Conseguiram entender que Toninho
Ponto e Vírgula não amava o Esporte Clube Beira-Rio.
Isso ficou claro quando ele não
levantou ao final do jogo, mas manteve seu grande sorriso ao partir desse mundo
vendo aquilo que realmente amava e o fazia sorrir, o futebol.
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Apenas um discordar…
Podemos discordar de certos acordos ou concordos, mas jamais podemos deixar de concordar com o direito que cada um tem em discordar de tudo.
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Apenas um devaneio….
Dissídio ortográfico
É que no Principado, onde tudo é perfeito, até a lusitana fala se faz diferenciar e assim relatar nossa alma laboriosa com um classicismo futurista.
Não fizemos parte do acordo ortográfico ao qual seu país fez museu e fez parte, pois temos nossos próprios acordos no falar e no escrever. Não julgamos necessário padronizar, á força, figuras de linguagem e sotaques mil que transportam um idioma á outro como se apenas do primeiro o segundo brotasse e não parte dele fosse.
Fica mais fácil abdicar da língua mãe, fazendo dela base de origem, e exortar aos quatro ventos um idioma propício e próprio às necessidades e desejos de quem com ele se comunica, deixando no ápice do legado, o dicionário, comum á todas as comunidades de língua semelhante.
Seja bem vinda língua-mãe, mas fica-te na boca de quem te fez florescer.
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